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(Download PDF) Processos de democracia direta: sim ou não? Os … um meio que permite, no melhor dos casos, produzir decisões legítimas (Gurza-Lavalle 2011). O presente estudo pretende contribuir (2)

Processos de democracia direta: simou não? Os argumentos clássicos àluz da teoria e da prática

Rolf Rauschenbach

RESUMO

Regularmente surgem controvérsias sobre os processos de democracia direta, dos quais os mecanismos mais frequentes são a inicia-

tiva popular, o plebiscito e o referendo. Por um lado, há autores que defendem a posição de que essas instituições tornam o jogo

político mais lento, caro, confuso e ilegítimo; outros defendem a posição contrária e argumentam que processos de democracia

direta são fundamentais para os cidadãos e a qualidade da democracia. O presente estudo analisa esse tema em torno de sete

questões, baseadas em considerações teóricas e pesquisas empíricas: 1. A questão entre o minimalismo e o maximalismo democrá-

tico; 2. A concorrência entre maioria e minoria; 3. A concorrência entre as instituições representativas e os processos de democracia

direta; 4. A questão da competência dos cidadãos; 5. A questão dos efeitos colaterais dos processos de democracia direta; 6. A

questão do tamanho do eleitorado; 7. A questão dos custos dos processos de democracia direta. As sete questões são analisadas a

partir de uma revisão bibliográfica que considera tanto fontes nacionais como internacionais. O estudo mostra que os processos de

democracia direta podem ser um complemento para as instituições representativas em um sistema democrático. O bom desempe-

nho dos plebiscitos, referendos e iniciativas populares depende tanto da regulamentação destes como também do desempenho das

outras instituições políticas e da situação socioeconômica de um país. O estudo permite ampliar e aprofundar o debate sobre pro-

cessos de democracia direta no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: Instituições democráticas; processos de democracia direta; iniciativa popular;plebiscito; referendo; representação

Recebido em 15 de Março de 2013. Aprovado em 8 de Agosto de 2013.

I. Introdução1

Seria de fato uma boa ideia consultar a população não somente em elei-ções, mas também a respeito de questões específicas, que podem serrespondidas com um simples “sim” ou “não”? Essa pergunta surge re-

gularmente, tanto no campo nacional como internacional. O motivo pode seruma consulta popular agendada ou ocorrida, falhas das instituições representa-tivas ou a tentativa de aumentar ou diminuir os mecanismos de participaçãoem geral. No presente estudo, foca-se processos de democracia direta que po-demos definir como instituições publicamente reconhecidas, nas quais os cida-dãos decidem ou opinam sobre questões específicas por meio de consultaspopulares secretas e universais (Altman 2012, p. 2). Os exemplos mais comunssão o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular. Não se considera os meca-nismos da petição e do recall como processos de democracia direta. Evita-se otermo “democracia direta” e fala-se sempre em “processos de democracia dire-ta”, para assinalar que se considera essas instituições como parte de um con-junto maior e não como o sistema democrático em si. Nesse sentido, asconsiderações normativas deste trabalho, no que diz respeito aos processos dedemocracia direta, demonstram que não se percebe neles um valor em si, mas,

1 Gostaria de agradecer aos pare-ceristas anônimos da Revista deSociologia e Política por suacontribuição para este ensaio.

Ensaio Bibliográfico Rev. Sociol. Polit., v. 22, n. 49, p. 205-230, mar. 2014

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sim um meio que permite, no melhor dos casos, produzir decisões legítimas(Gurza-Lavalle 2011).

O presente estudo pretende contribuir para o enriquecimento da literaturabrasileira, na qual os processos de democracia direta têm uma importância re-lativamente marginal e comparações internacionais são raras. Nessa literatura,podem ser destacados quatro grupos de trabalhos dedicados ao assunto. Emprimeiro lugar, poucos títulos foram publicados logo após a proclamação daConstituição de 1988. Moisés (1990) e Benevides de Mesquita (1991) discu-tem a questão da participação e representação de um ponto de vista teórico-normativo e concluem que os processos de democracia direta podem contribuirconsideravelmente para a democratização do Brasil e a criação de uma cidada-nia ativa. No entanto, as previsões desses autores sobre o futuro do Brasil sãorelativamente pessimistas, tendo em vista um regulamento que dificulta a rea-lização de consultas populares.

Um segundo grupo de publicações é produzido por juristas que analisamem detalhe a legislação brasileira sobre os processos de democracia direta.Todos os autores afirmam que o regulamento desses mecanismos não é claro etampouco respalda adequadamente o direito do cidadão à participação política.A maioria desses estudos são teses de mestrado ou doutorado e não foi publi-cada oficialmente (Carneiro 2001; Ávila de Brito 2002; Auad et al. 2004; Gar-cia Navarro 2004; Galante Lesqueves 2006; Vogel 2006; Zart 2007).

Um terceiro grupo investiga o referendo de 2005 a partir de diferentes pers-pectivas. Neste caso, vale mencionar uma coleção de ensaios organizados porInácio, Novaes e Anastásia (2006). Nessa coleção, são levantadas, entre outrasquestões, a participação do poder Executivo no referendo (Inácio 2006), a ten-são entre a participação popular e as instituições de representação (Anastásia,Inácio & Novais 2006; Araújo & Santana 2006; Correa & Nunes 2006), e aimportância da mídia e da propaganda (Castro 2006; f*cks & Novais 2006;f*cks & Paiva 2006). Esses autores concluíram que o referendo de 2005 reve-lou a fragilidade da instituição e que tanto o sistema político como a sociedadebrasileira ainda demonstram lacunas em sua capacidade de usufruir plena-mente dos benefícios de um referendo. Outros estudos aprofundam essa análi-se. Menezes Boelhouwer e Dias (2009) abordaram a cobertura do referendonos jornais Folha de S. Paulo e O Globo, alegando que as cartas dos leitoreseram mais frequentes do que as reportagens sobre o assunto e que a maioriadessas cartas optaram pelo não. Um painel de pesquisa com eleitores avaliou oimpacto das campanhas e concluiu que o referendo foi vencido por meio dapropaganda política negativa que criou um clima de medo (Viega & Avi dosSantos 2008). Um outro estudo analisa os municípios brasileiros e demonstra acorrelação positiva entre a taxa de homicídios e o não (Araujo Junior et al.2007). Por fim, Mendonça (2009) analisa a qualidade deliberativa das campa-nhas, enfatizando a importância da cooperação positiva entre os adversários.

Um quarto grupo reúne publicações recentes e com abordagens mais ge-rais. O ensaio de Dantas (2008) faz um balanço sobre os 20 anos de participa-ção política sob a Constituição de 1988. Para o autor, os resultados sãoambivalentes. Por um lado, não foi confirmado o otimismo inicial com relaçãoà participação política e, de outro, podem ser identificadas várias inovaçõesinstitucionais, como o orçamento participativo ou os conselhos gestores(idem). Mendes Vitale Ramos (2007) argumenta na mesma direção, focandoespecificamente no déficit democrático. Já Alves (2011) procura respondercomo a fragmentação partidária, a polarização do sistema político e o uso de

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processos de democracia direta na América Latina estão correlacionados. Emoutro estudo, a mesma autora apresenta um balanço sobre o uso dos mecanis-mos de democracia direta entre 1988 e 2008 (Alves 2010). Já que é da compe-tência do Congresso Nacional convocar consultas populares, Alves analisa emparticular todos os 156 projetos de Decretos Legislativos com objetivo de con-vocar plebiscitos e referendos e confirma os empecilhos institucionais que di-ficultam o uso destes mecanismos. Peterlevitz (2011) não se preocupa com ofuncionamento das instituições da democracia direta em si, mas parte delaspara avaliar a qualidade, em termos gerais, da participação política em umpaís. Rauschenbach (2011), também oferece um relato completo e resumidosobre processos de democracia direta em nível federal.

A escassa produção bibliográfica brasileira sobre os processos de democra-cia direta certamente é devida ao raro uso desses mecanismos. Desde a procla-mação da nova Constituição, houve em nível federal cinco iniciativaspopulares que foram apresentadas ao Congresso Nacional, um plebiscito(1993) e um referendo (2005). Em nível estadual, houve um referendo (Acre,em 2010) e dois plebiscitos (Pará, em 2011). Em nível municipal, não existenenhum levantamento. Por outro lado, a ausência do tema representa tambémcerta surpresa. Afinal, estabeleceu-se no Brasil, nas últimas duas décadas, umamplo debate sobre participação política e as nova instituições participativas,como o orçamento participativo, conselhos e conferências. Essa vertente igno-ra em grande parte as instituições da democracia direta e quase não dialogacom a respectiva literatura, como mostra, por exemplo, a – em si excelente –

publicação do IPEA sobre a efetividade as instituições participativas no Brasil(Rocha Pires 2011). Pelo menos em parte, isso pode ser atribuído ao fato de asnovas instituições participativas terem criado canais de representação extrapar-lamentar (Gurza Lavalle & Isunza Vera 2011, p. 113), conceitualmente alheiosaos processos de democracia direta.

Em suma, podemos concluir que a literatura brasileira aborda os processosde democracia direta de maneira normativa ou foca em questões relativamenteespecíficas e descritivas. Faltam ponderações que considerem tanto os argu-mentos normativos e empíricos, falta também uma visão comparativa. O pre-sente trabalho pretende preencher essa lacuna, dialogando com a literaturainternacional. Ficará visível que a bibliografia internacional sobre os processosde democracia direta trata as diversas dimensões desse fenômeno e alimenta-setanto de vertentes normativas, institucionalistas, da escola de racional choice,entre outras.

O estudo é organizado em sete questões que permitem situar os processosde democracia direta normativamente no debate teórico sobre democracia, ex-plicitar as implicações institucionais desses mecanismos e destacar os princi-pais desafios existentes neles. Iniciar-se-á o debate com a questão entre ominimalismo e o maximalismo democrático, que define a configuração funda-mental de um sistema democrático. Isso levará à questão sobre a concorrênciaentre maioria e minoria. As escolhas sobre a geração e o tratamento de maio-rias e minorias não dizem somente a respeito dos processos de democraciadireta, mas ao conjunto completo das instituições democráticas. Elas são parti-cularmente relevantes no contexto dos processos de democracia direta, já queesses mecanismos geram por definição maiorias e minorias explícitas. Comoos processos de democracia direta são somente um complemento às diversasinstituições democráticas, coloca-se a questão sobre a relação entre elas. Porisso, aborda-se, na terceira seção, a concorrência entre as instituições represen-tativas e os processos de democracia direta. Em seguida, trata-se de quatro

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desafios, que partem dos processos de democracia: a competência dos cida-dãos, o tamanho do eleitorado, os efeitos colaterais e os custos. Como essasinstituições permitem intervenções imediatas dos cidadãos no processo políti-co, questiona-se a competência deles. Afinal, as consequências de decisõespopulares são tão graves como as de decisões parlamentares ou do goveno.Além do questionamento sobre a competência individual dos eleitores, surgeregularmente a alegação de que o tamanho do eleitorado representa um fatorimportante no empenho dos processos de democracia direta. Na quinta seção,procura-se respostas à dimensão quantitativa de consultas populares. Enquantoa geraçãoe de legitimidade pelos processos de democracia direta normalmentenão é colocada em dúvida, levanta-se a questão sobre os efeitos colaterais dosprocessos de democracia (seção seis) e dos custos (seção sete). Essas aborda-gens permitirão uma avaliação mais completa do tema deste trabalho.

A metodologia aplicada neste estudo é uma revisão bibliográfica, que levaem consideração publicações com um viés normativo ou teórico, como tam-bém empírico.

A investigação mostra que processos de democracia direta podem ser umaboa ferramenta para produzir decisões legítimas. Mas mostra, também, que obenefício de processos de democracia direta depende da institucionalizaçãoespecífica desses mecanismos. Ademais, este estudo mostrará que o contextoinstitucional geral e os fatores socioeconômicos igualmente influenciam o de-sempenho dos processos de democracia direta. A resposta à pergunta “Proces-sos de democracia direta: sim ou não?” é então relativa: no curto prazo, elesdependem das circunstâncias. No longo prazo, podem ser um complementoimportante às instituições democráticas.

II. Os argumentos em favor e contra os processos de democracia direta

O debate entre os que argumentam em favor das instituições representati-vas e contra os processos de democracia direta é tão velho como a ideia dademocracia em si. Platão já pensava que uma república somente pode ser go-vernada pela elite; ele posicionou-se claramente contra o modelo de Atenas,onde todos os cidadãos participavam na tomada de decisões políticas. Valeressaltar que, naquela época, a categoria do cidadão não incluía mulheres nemescravos. Aristóteles promovia o conceito da constituição mista, que unia ele-mentos monárquicos, aristocráticos e democráticos; ele admitia uma participa-ção parcial da população. Mais tarde, ao referir-se à Revolução Francesa,Edmund Burke alegou que a participação da população levara a uma simplifi-cação excessiva das questões políticas. A posição de Montesquieu era similar:para ele, faltava a competência do cidadão para justificar sua participação po-lítica. Na mesma época, Rousseau argumentava em favor da participação doscidadãos, já que todos nascem livres. Seria fácil estender essa lista de nomesilustres; como veremos, o debate continua até os dias atuais. Os argumentossão analisados sistematicamente nas próximas seções. Aqui cabem ainda algu-mas constatações gerais:

O fato de o debate não ter sido concluído até hoje não é preocupante em si.No caso da democracia, se trata de um conceito contestado (Gallie 1956, p.169). Isso quer dizer que, por motivos epistemológicos, não é de se esperarque um dia surja uma definição aceita universalmente. Sempre haverá contro-vérsia. Além disso, a democracia é caracterizada por vários paradoxos. Elapode manter-se viva somente cultivando justamente esta natureza paradoxal.

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Citamos aqui apenas dois paradoxos: o estado democrático depende de condi-ções que ele mesmo não pode garantir. Ele não pode interferir no uso da liber-dade que oferece, porque, do contrário, ele a obstrui simultaneamente(Böckenfröde 1976, p. 60). No mesmo viés, tem-se o paradoxo entre o princí-pio da democracia e do Estado de direito: a democracia sem nenhuma limita-ção pode resultar no fim da liberdade do indivíduo. Por isso, existe o Estado dedireito, que protege o indivíduo, mas acaba interferindo na liberdade democrá-tica. Ao longo do nosso estudo, encontraremos ainda outras contradições destetipo. Isso fará com que as nossas respostas sempre sejam relativistas: a nossaavaliação sobre os processos de democracia direta dependerá sempre do con-texto no qual eles estão sendo aplicados.

Além desse problema fundamental da democracia, somos confrontadoscom outros atritos no que diz respeito aos processos de democracia direta maisespecificamente: no âmbito teórico, encontramos regularmente argumentaçõesmetodologicamente incoerentes, por exemplo, ao comparar uma visão pessi-mista dos processos de democracia direta a uma visão otimista das instituiçõesrepresentativas (Lutz, 2006, p. 45). No âmbito empírico, o maior desafio é onúmero relativamente pequeno de experiências com processos de democraciadireta. Esse fato limita as possibilidades de análises quantitativas, ainda maisse considerarmos que os contextos dessas experiências são bem diversificadose dificultam as comparações. Como constata Hug (2009), a interação entreprocessos de democracia direta e as instituições representativas também foipouco pesquisada.

II.1. A questão entre o minimalismo e o maximalismo democrático

As argumentações mais simples contra ou a favor dos processos de demo-cracia direta derivam-se do minimalismo e do maximalismo democrático. Nominimalismo, condensa-se a posição de que a democracia é um meio para li-mitar o poder. A solução para atingir esse fim é permitir a alternação dos de-tentores do poder por meio de eleições. No outro extremo, encontra-se omaximalismo democrático, no qual a participação direta e contínua dos cida-dãos é vista como conditio sine qua non para o funcionamento da democracia.Na realidade, as duas posições assumem uma relação causal entre as institui-ções democráticas e os resultados políticos produzidos por elas, e abordam asinstituições como um valor em si e não como um meio (Gurza-Lavalle 2011).

No minimalismo democrático, a premissa é: uma democracia é boa en-quanto a alternação dos detentores do poder é possível. Neste respeito, Schum-peter (1962) é um dos representantes mais expressivos. Segundo ele, basta apossibilidade da escolha entre duas plataformas partidárias bastante distintaspara prevenir uma tirania. Ele defende uma democracia das elites e não sepreocupa com as questões de participação popular além das eleições. Aceitan-do essa premissa, resta pelo menos a pergunta a respeito do intervalo adequadopara as eleições. Em torno dessa questão, desenvolve-se um debate desde osFederalistas. Madison escreveu que quanto mais alta a frequência das eleições,mais dependentes os representantes dos cidadãos e mais leais eles seriam àsreivindicações populares. Porém, ele não fornece critérios que permitiriam adefinição do intervalo em uma situação concreta (Hamilton, Madison & Jay1961, p. 295). Amacher e Boyes (1978) mostram que quanto mais longo operíodo entre eleições, menos os representantes preocupam-se com as reivindi-cações dos seus eleitores. O problema da fidelidade dos representantes aosrepresentados remete à questão fundamental da representação formulada por

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Pitkin (1967), o representante deve agir como agente do representado, execu-tando diretamente as reivindicações, ou deve agir como mandatário indepen-dente do eleitorado, tomando as decisões em função da própria opinião? Aquinão cabe um debate sobre representação, mas é claro que a primeira posiçãolevada ao extremo contradiz a função deliberativa dos órgãos representativos,enquanto a segunda posição levada ao extremo desresponsabiliza o cidadãocompletamente.

No maximalismo democrático, a premissa é outra: quanto mais uma demo-cracia oferece possibilidades de participação, melhor. A participação é vistacomo concretização dos princípios fundamentais da democracia: inclusão eigualdade. Todo mundo pode participar da mesma forma na política; não deve-ria existir uma diferença entre representado e representante. Barber (1984) ar-ticula essa visão. Segundo ele, democracia é autogovernança: os cidadãosgovernam a si mesmos. Não é preciso que os cidadãos intervenham em todainstância, mas eles devem ser incluídos em todas as questões importantes. Paraisso, as instituições devem facilitar a participação na definição das agendas, nadeliberação, na legislação e na implementação (idem, p. 151). Pateman, outramaximalista, defende ainda que a participação deveria ser estendida, além doâmbito político, para empresas e outras instituições importantes da sociedade(Pateman 1970, p. 104).

Além dessas duas posições contraditórias, existem vários autores com po-sicionamentos ambíguos. Dahl (1989) incluiu na definição da democracia osdireitos de participar, mas esses direitos não incluem necessariamente níveisde participação altos. Podemos observar o mesmo na obra de Bobbio, que vêna democracia um conjunto de regras procedurais para chegar a decisões cole-tivas. Ele usa o termo participação sem concretizar como o envolvimento docidadão deveria ocorrer (Bobbio 1987, p. 19). Encontramos uma posição simi-lar em Habermas (1998): nas considerações gerais, ele insiste na importânciada participação de todos os atingidos. Mas, quando ele aborda as instituiçõesconcretas de um Estado democrático contemporâneo, foca nas deliberações doparlamento e dos tribunais. Em entrevistas, Habermas (2008b) exprime a suaadmiração pelos mecanismos de participação direta na Suíça, mas questiona seas instituições suíças abrangem adequadamente as questões políticas da atuali-dade. Para questões excepcionais como a reunificação da Alemanha ou aConstituição da União Europeia, Habermas (2008a) argumentou publicamenteem favor de consultas populares.

O debate entre o minimalismo e o maximalismo democrático é em grandeparte teórico e normativo. Ambas as posições são gerais e abstratas e, por isso,não podem ser testadas empiricamente com facilidade. Mesmo assim, pode-mos formular duas perguntas para ver até que ponto o minimalismo e o maxi-malismo democrático estão refletidos na realidade.

Primeiro, até que ponto os próprios cidadãos são minimalistas ou maxima-listas? Os autores minimalistas partem do pressuposto de que o cidadão tempouco interesse (e competência) pela política e por isso nem quer uma partici-pação mais ampla. Por sua vez, os autores maximalistas argumentam que ocidadão tem (ou deveria ter) interesse pela participação política. As pesquisasempíricas trazem uma imagem ambivalente: por um lado, existe uma vastaliteratura sobre a insatisfação dos cidadãos com as instituições representativas(debate sobre a pós-democracia). Os mesmos cidadãos reivindicam mais me-canismos de participação. Porém, uma análise das taxas de participação emconsultas populares mostra que nem todos os cidadãos sentem-se motivados a

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realmente participar na política. Hibbing e Theiss-Morse (2002) demonstramesse ponto de uma maneira bem clara para os Estados Unidos e chegam àconclusão de que, em geral, os cidadãos preferem um sistema democrático“camuflado” (stealth democracy). Com isso, os autores denominam uma con-figuração institucional normalmente invisível, que vem à tona somente naque-les momentos nos quais os cidadãos realmente querem ser envolvidos noprocesso político. Bengtsson e Mattila (2009, p. 1045), ao analisarem as atitu-des dos finlandeses, chegam a conclusões um pouco mais ambivalentes: se-gundo eles, cidadãos da Finlândia querem ao mesmo tempo instituiçõesdemocráticas camufladas e processos de democracia direta. Um outro indica-dor das preferências dos cidadãos são os níveis de abstenção em eleições econsultas populares. Em geral, a literatura mostra que a participação aumentacom a importância da agenda – nos Estados Unidos, o nível de participação émais alto nas eleições presidenciais do que nas eleições do midterm. Nessecontexto, Donnovan, Tolbert e Smith (2005) mostram que votações sobre ini-ciativas populares e referendos representam um estímulo similar, ao compararníveis de participação em eleições do midterm em estados com e sem proces-sos de democracia direta.

A segunda pergunta que se coloca na comparação entre as posições mini-malistas e maximalistas e a realidade empírica é: quais são as escolhas institu-cionais de fato? Como será demonstrado ao longo deste estudo, existe umleque de diferentes processos de democracia direta, e mesmo um certo tipo,como, por exemplo, o referendo, mostra uma variedade bastante grande. Porisso, a tarefa de contar e comparar países com processos de democracia diretanão é fácil. Em um desses esforços, Altman (2011) mostra que, desde 1900, onúmero de países com processos de democracia direta aumentou consideravel-mente. No mesmo período, cresceu ainda mais o uso desses mecanismos(idem, p. 65). Não existem estudos que explicam os motivos pelos quais certospaíses incluem processos de democracia direta no seu arranjo institucional;Altman mostra que países democráticos usam processos de democracia diretamais do que países híbridos e autocráticos (idem, p. 62, p. 81). Ewert (2007),ao analisar países do Leste europeu, formulou a hipótese de que a introduçãode processos de democracia direta é um fenômeno endógeno no que se refere àforma como um país democratiza-se e consegue autonomia para influenciar aadoção de mecanismos de democracia direta.

Em suma, podemos concluir que, de um ponto de vista teórico, tanto aposição minimalista quanto a maximalista contêm contradições normativas enão podem ser encontradas na realidade. Os próprios cidadãos demonstram umcomportamento ambivalente: por um lado, tendem a reivindicar direitos à par-ticipação, mas nem sempre aproveitam deles.

II.2. A concorrência entre maioria e minoria

Desde Aristóteles, uma série de autores alega que processos de democraciadireta favorecem uma tirania – da maioria ou da minoria. Em qualquer sistemademocrático, coloca-se a pergunta fundamental sobre a maneira como as mai-orias e minorias constituem-se e como o confronto entre elas é resolvido. Asescolhas institucionais têm uma grande influência sobre o comportamento dosatores e resultados políticos, como mostram, por exemplo, estudos que compa-ram eleições nos modos majoritários ou proporcionais (Dow 2001; Grofman2004). A concorrência entre minoria e maioria faz parte do regime democráti-co. Instituições como o Estado de Direito e os direitos humanos podem ameni-

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zar essa tensão. A questão da concorrência entre maioria e minoria, no contex-to dos processos de democracia direta, será discutida, em primeiro lugar, sob oângulo da maioria.

O argumento da tirania da maioria é simples: uma vez que a maioria cons-titui-se, ela pode oprimir a minoria. Ao visitar a jovem democracia dos EstadosUnidos, Alexis de Toqueville chegou a essa conclusão. Bell acha que foi omedo da tirania da maioria que motivou os founding fathers a não incluir pro-cessos de democracia direta na Constituição americana (1978).

Do ponto de vista teórico, esses riscos são óbvios. Porém, os estudos empí-ricos não confirmam tão claramente a hipótese da tirania da maioria. Natural-mente, é fácil citar casos nos quais a maioria optou por deixar a minoria emdesvantagem, por exemplo, na votação sobre os direitos políticos das cidadãssuíças, na qual os cidadãos suíços optaram, em 1959, por não atribuir o direitoao voto às mulheres; em 1971, essa decisão foi revertida em uma segundaconsulta popular. Mas, considerando um número representativo de consultaspopulares, em vez de somente alguns casos extremos, verifica-se que não seformam por definição maiorias opressoras e estáveis em processos de demo-cracia direta. Nesse contexto, Kobach (1993) tira uma conclusão oposta quan-do analisa o referendo suíço, no qual a população pode vetar decisões tomadaspelo parlamento. O pedido por um referendo pode ser feito por um grupo rela-tivamente pequeno, por meio de um abaixo-assinado. A simples ameaça de umreferendo regularmente leva a maioria a aceitar reivindicações da minoria, jus-tamente para evitar um referendo. Nesse sentido, podemos dizer que processosde democracia não levam à uma tirania da maioria, mas sim à tirania do con-senso (Kobach, 1993; Gerber, 1999). Uma variação do argumento da tirania damaioria consiste em alegar que os processos de democracia favorecem o statusquo e com isso as forças conservadoras. Frey e Goette (1998), ao analisar ocaso da Suíça, chegam à conclusão de que somente 23% das propostas emprocessos de democracia são conservadoras e questionam a hipótese do con-servadorismo inerente. Donovan e Bowler (1998), que estudam o caso da Cali-fórnia, concluem que 18% dos resultados de processos de democracia diretasão antiminoritários. Eles observam que o suporte para minorias aumenta como tamanho do distrito eleitoral (idem, p. 1022). Haider-Markel, Querze e Lin-daman (2011), em uma tentativa de replicar os resultados de Donovan e Bow-ler no campo dos direitos dos hom*ossexuais, chegam a uma conclusão menosfavorável: ao analisar 143 consultas populares nos níveis municipal e estadualnos Estados Unidos, eles constataram que 71% das propostas foram rejeitadas,em desvantagem das minorias hom*ossexuais. Hajnal, Gerber e Louch (2011)verificam, ao analisar o caso da Califórnia, que minorias étnicas regularmenteganham em consultas populares, já que elas compartilham os mesmos interes-ses como da maioria branca. Somente quando os direitos das minorias étnicasestão em pauta, o risco de perder a votação é maior. Matsusaka, ao analisar asituação geral dos Estados Unidos, chega a uma conclusão similar: ele nãoencontra nenhuma evidência de que as minorias são mais oprimidas em pro-cessos de democracia direta do que pelos parlamentos (Matsusaka 2011, p.22). Altman, ao estudar processos de democracia direta no mundo inteiro, tam-bém não consegue identificar provas com impactos negativos na diversidadesocial (Altman 2011, p. 85).

Em suma, os estudos empíricos não negam o perigo de uma tirania da mai-oria, tampouco confirmam que esse risco realiza-se constantemente. Ademais,existe um mecanismo que permite remediar o risco da tirania da maioria: quó-runs, que exigem maiorias qualificadas para a aprovação de uma proposta. A

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definição do quórum pode basear-se na taxa de aprovação ou na taxa de parti-cipação. O objetivo é sempre o mesmo: evitar decisões por maiorias aleatórias(Jung, O. 2010). É interessante notar que quóruns parecem reduzir a participa-ção em votações: Aguiar-Conraria e Magalhães (2010) mostram, em uma aná-lise sobre todos os referendos feitos em países da União Europeia entre 1970 e2007, que quóruns aumentam a abstenção em mais de 10%.

A hipótese da tirania da minoria é mais recente e baseia-se em dois argu-mentos. O primeiro vem da escolha racional que alega que minorias podemmanipular a agenda de votações, para que seus interesses prevaleçam. É possí-vel mostrar esse tipo de ciclos em modelos teóricos (Arrow 1963; Cunningham2002; Hug 2004; Abbink 2006); porém, não existe um caso empírico que pro-ve a ocorrência de ciclos em votações populares (Altman 2011, p. 48). A ine-xistência de ciclos no contexto de processos de democracia direta não ésurpreendente, afinal, esses processos são lentos e dificilmente controláveis;seria muito mais fácil manipular a agenda em um parlamento. Uma variaçãodesse argumento é que minorias podem impor a inclusão de reivindicações quea maioria normalmente não aceitaria, mas pode aprovar para que o pacote todoseja aprovado. Para evitar este tipo de compromisso forçado, a legislação dosprocessos de democracia direta pode impor que as consultas populares sempredevem focar em uma só questão. A Suíça conhece essa regra da unidade damatéria (Art. 194 II e III da Constituição suíça); mesmo assim, nem sempre éfácil formular a proposta sem interferir nesse princípio. Kirchgässner (2008)mostra que o eleitorado suíço regularmente rejeita propostas de pacotes, justa-mente porque não aceita ser manipulado.

O segundo argumento alega que minorias com muitos recursos financeirospodem comprar resultados a seu favor. Essa posição baseia-se principalmentenas experiências dos Estados Unidos, nos quais os orçamentos das campanhasde referendos e iniciativas populares aumentaram consideravelmente. Lá, a le-gislação prevê que, para a iniciação de um processo de democracia direta,exista um número de assinaturas relativamente alto em um período curto. Combase nessa exigência, criou-se uma indústria especializada em colecionar assi-naturas; por exemplo, no estado da Califórnia, é possível colocar qualquerquestão na agenda política com um investimento de aproximadamente um mi-lhão de dólares (Broder 2000, p. 243; Mathews 2006). Porém, vários autoresmostraram que é difícil comprar a aprovação de uma proposta com dinheiro;este compra muito mais facilmente a rejeição de uma proposta do que a apro-vação (Gerber 1999; Matsusaka 2011, p. 22). Na conclusão de uma coleção deestudos sobre a regulamentação de campanhas de consultas populares, GillandLutz e Hug (2010) constatam que dinheiro certamente tem um papel importan-te, mas que a ciência ainda não conseguiu desvendar claramente esses meca-nismos.

Em suma, assim como na questão do perigo da tirania da maioria, conclui-se que existem casos empíricos, nos quais a minoria conseguiu “comprar” umresultado na base dos fartos recursos, mas não se trata de um fenômeno domi-nante.

II.3. A concorrência entre as instituições representativas e os processos de democracia direta

Até agora, nosso debate voltou-se aos problemas gerais da democracia. Aoabordar a concorrência entre as instituições representativas e os processos dedemocracia direta, levantamos a questão central. Na introdução, formulamos a

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hipótese de que os processos de democracia direta são complementares e nãosubstituem as instituições representativas; nesta seção, analisaremos as posi-ções teóricas e os resultados empíricos a respeito. As instituições representati-vas e os processos de democracia direta realmente complementam-se? Existemtambém áreas de conflito?

Segundo Broder (2000), o conflito entre processos de democracia direta e ogoverno representativo é total; na visão dele, as iniciativas populares estãodestruindo as instituições democráticas dos Estados Unidos. É um fato quealguns estados norte-americanos encontram-se em situações políticas compli-cadas e que certas votações populares contribuíram para isso; mas seria umexagero responsabilizar os processos de democracia direta pela totalidade dosproblemas. Altman (2011 p. 42) concorda em parte com Broder quando elealega que processos de democracia direta fragilizam a posição dos represen-tantes eleitos, afinal, eles não detêm mais exclusivamente o poder Legislativo.

A constatação de Altman parece óbvia; porém, uma análise mais aprofun-dada mostra que os efeitos dos processos de democracia direta não vão emuma só direção. Por um lado, é claro que, uma vez que os representantes elei-tos não podem mais decidir sozinhos, o poder deles torna-se mais limitado. Poroutro lado, consultas populares provocam dois efeitos positivos para os repre-sentantes: em primeiro lugar, mesmo em um regime que permite o veto popu-lar das decisões parlamentares, a grande maioria das decisões não é vetada; porisso, todas as políticas não vetadas podem ser consideradas implicitamenteaprovadas pelos cidadãos. Em segundo lugar, as consultas populares, que ocor-rem mais regularmente que as eleições, fornecem aos parlamentares orienta-ções mais específicas sobre as preferências dos cidadãos que resultadoseleitorais. Assim, os eleitos podem posicionar-se de uma maneira mais calibra-da diante dos cidadãos. Isso aumenta suas chances de serem reeleitos.

A questão mais geral que se coloca então é: qual é a ligação entre o eleitore o eleito, entre o representado e o representante? Como primeiro intuito, po-demos recorrer ao conceito de principal e agente (Lapuente 2011, p. 2127) quepretende descrever e explicar as dinâmicas entre um principal, que contrata umagente para executar uma tarefa em troca de um preço. O pressuposto básico éque existem duas assimetrias entre o principal e o agente: a primeira diz res-peito às preferências: o principal procura a boa execução da tarefa, enquanto oagente maximiza o preço que ele pode cobrar do principal. A segunda assime-tria diz respeito às informações: o agente geralmente dispõe de mais informa-ções do que o principal e tenta aproveitar-se dessa vantagem. Existeminúmeras propostas para solucionar esses dilemas, sendo a mais simples esta-belecer o preço em função dos resultados obtidos pelo agente.

Aplicando esse conceito ao contexto político, à primeira vista, o represen-tado aparece como principal e o representante como agente. Porém, ao contrá-rio de casos usuais de principal e agente, o cidadão que está delegando o seupoder ao agente político encontra-se de repente em uma posição subordinada,já que o agente político assume o papel do legislador e representante do poderpúblico. Nesse sentido, no jogo político existe uma inversão dos papéis. Porcausa dessa inversão paradoxal, o conceito de principal e agente clássico nãopode ser aplicado diretamente na análise da ligação entre eleitor e eleito.

Pitkin (1967), no seu trabalho seminal sobre a questão da representação,identificou este problema relativo à controvérsia entre mandato versus inde-pendência. O eleito pode conceber o seu papel como delegado, com uma mar-gem de julgamento relativamente grande ou como um mandatário que

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simplesmente transmite as preferências dos seus eleitores (idem, p. 145). Mas,independentemente da forma como o eleito interpreta o seu papel, mais cedoou mais tarde, ele tem que justificar os seus atos aos eleitores. Estes reelegerãoo mesmo ou preferirão votar em outro candidato; trata-se do mecanismo deaccountability vertical ou eleitoral. A questão é se o mecanismo da reeleição ésuficiente para alinhar o representante ao representado ou se outros mecanis-mos são necessários para garantir a congruência entre as preferências dos elei-tores e os atos dos eleitos.

Existem vários estudos que mostram que sistemas puramente representati-vos produzem regularmente distorções entre a vontade popular e a políticapromovida pelos eleitos: ao analisar o Partido Socialista da Espanha nas cam-panhas entre 1982 e 1996, Maravall (1999) mostra que esse partido manipulouos eleitores para chegar ao poder e manter-se. Matsusaka (2011, p. 21) mostraque, nos Estados Unidos, quase todos os estados com a iniciativa popular pos-suem limites de reelegibilidade, enquanto que quase todos os estados sem talmecanismo permitem reeleições ilimitadas; ele interpreta esse fato como provade que processos de democracia direta permitem ao eleitor impor os seus inte-resses contra os eleitos. Outros autores confirmam essa observação, em parti-cular em casos de países com estruturas pouco consolidadas, como é o caso naAmérica Latina (Altman 2011, p. 34). Pettit (2003) faz a constatação de queeleitos, uma vez no cargo, tendem a esquecer as promessas feitas na campanhae preocupam-se apenas com os próprios interesses. Por isso, Setälä (1999) ar-gumenta que os processos de democracia direta podem servir como institui-ções de correção. Altman toma uma posição similar ao caracterizar processosde democracia direta como válvulas de segurança para momentos nos quais osistema representativo não reflete a vontade popular (Altman 2011, p. 43, p.59). Em um estudo histórico, Tolbert (2003) mostra que, nos Estados Unidos,em momentos de importantes mudanças sociais e econômicas, as instituiçõesrepresentativas foram modificadas por meio dos processos de democracia dire-ta.

Em termos mais gerais, Möckli (1994) classifica as funções de processosde democracia direta em três fases: (i) a função input consiste na possibilidadede o cidadão colocar questões na pauta política, independente do apoio do seurepresentante. (ii) A função de processamento refere-se à ampliação do núme-ro de pessoas envolvidas na deliberação de uma questão política. (iii) Já afunção output diz respeito às decisões políticas com uma legitimidade maiorque aquela conferida a um parlamento, visto que todos os cidadãos podem daro aval, e não somente a elite política.

O postulado da complementaridade, porém, não deve enganar: a introduçãode processos de democracia direta afeta o jogo político de uma maneira funda-mental: em todas as questões importantes existe o perigo de (ou a obrigatorie-dade de) uma consulta popular (Grotz 2009, p. 291; Jung 2001). Para que osrepresentantes não comprem constantemente briga com os representados,aqueles têm que antecipar reivindicações populares e até minoritárias, já quemesmo grupos pequenos podem provocar iniciativas e ou vetos populares(Neidhart 1970; Vatter 1997; 2002; Jung 2001). Nem sempre, as iniciativas eos vetos populares têm o êxito desejado pelos iniciadores, mas a retardação dadecisão final já pode trazer custos políticos altos. O deslocamento do poderreflete-se também no relacionamento entre representado e representante: a in-versão dos papéis de principal e agente, mencionada anteriormente, é – pelomenos parcialmente – revertida. Isso deve mostrar-se também nos modos decomunicação: os representantes precisam explicar as suas políticas constante-

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mente aos eleitores e, talvez ainda mais importante, devem prestar atenção noque estes dizem, já que eles podem tentar reverter as decisões tomadas pelosrepresentantes (Bowler, Donovan & Karp 2007).

Porém, seria um exagero postular uma oposição total entre representados erepresentantes. Em primeiro lugar, os representantes continuam tomando amaioria das decisões e, por isso, exercem também maior influência na política,como mostra, por exemplo, Serdült (2007) para a Suíça. Em segundo lugar, osrepresentantes e seus partidos têm uma grande influência também nos proces-sos de democracia direta. A ideia de que processos de democracia derivamunicamente do apoio popular não corresponde com a realidade. O apoio ideo-lógico, logístico e financeiro dos partidos e de outros grupos, tradicionalmentevinculados aos representantes, é fundamental para o êxito de processos de de-mocracia direta (Bowler & Hanneman 2006, p. 566; Altman 2011, p. 49). Re-gularmente, são mesmo os partidos que começam iniciativas ou vetospopulares, justamente para solucionar conflitos travados nos órgãos represen-tativos (Mendelsohn & Parkin 2001, p. 7; Breue 2008, p. 20).

A mescla entre representado e representante, entre o eleito e o eleitor ficaainda mais acentuada em situações nas quais as consultas populares não acon-tecem com frequência. Nessas situações, consultas populares frequentementeviram eleições de segundo grau (second order elections). Apesar do fato deessas consultas populares tratarem de questões específicas, elas tornam-se ple-biscitos sobre os eleitos. Em vez de opinar sobre a questão específica, a popu-lação tende a passar um veredicto sobre o governo (Franklin, Eijk & Marsh1995; Svensson 2002; Hobolt 2008). Hug (2002) mostra que, quando o resul-tado de um referendo é somente consultivo, os eleitores tendem a votar contrao governo. Essas considerações mostram que a introdução de processos dedemocracia direta puramente consultivos pode criar mais problemas do queresolver. Tanto os eleitores como os representantes e a mídia precisam habitu-ar-se com os processos de democracia direta para saber usá-los e interpretá-loscorretamente. Noutro caso, os resultados de consultas populares tendem a seraleatórios e levam a frustrações de todos os envolvidos (Leduc 2003, p. 82).Mesmo quando o uso de processos de democracia direta é frequente, ele tendea criar um mal-estar político constante, já que os conflitos políticos não serestringem ao parlamento, mas, sim, são resolvidos com a participação de to-dos os eleitores (Dyck 2009, p. 546). Dyck observa ainda que a confiança nogoverno tende a ser menor porque, nem sempre, as propostas aprovadas peloscidadãos podem ser implementadas.

Na questão da concorrência entre as instituições representativas e os pro-cessos de democracia direta, Gerber (2011) adota uma perspectiva alternativa:com estudos de caso, ela mostra que diferentes contextos institucionais favore-cem diferentes forças políticas e, com isso, diferentes resultados. Quando setrata de questões que recebem um vasto apoio da população (no exemplo dela,a taxação de cigarros), a aprovação é mais fácil em consultas populares. Po-rém, quando interesses de importantes contribuintes para as campanhas eleito-rais estão em jogo, o caminho por meio das instituições representativas é maispromissor.

Outro ponto é levantado por Gerber, Lupia e McCubbins (2011) ao analisara fase de implementação de decisões feitas em processos de democracia direta:eles constatam amplas possibilidades do poder Legislativo, do Executivo e daadministração de obstruir as intenções expressas nas consultas populares. Fer-raiolo (2011) conclui, a partir de entrevistas com líderes do estado de Maine,

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que os legisladores e a burocracia são mais favoráveis aos processos de demo-cracia direta que Gerber, Lupia e McCubbins (2011) supunham.

Em suma, podemos constatar que a introdução de processos de democraciadireta pode tornar um sistema democrático representativo mais legítimo. Po-rém, a legitimidade adicional tem um preço: o processo político torna-se maiscomplexo. Somente quando os representantes enfrentam essa complexidadeabertamente, pode-se esperar resultados positivos; caso contrário, o jogo polí-tico torna-se mais confuso e, com isso, menos democrático.

II.4. A questão da competência dos cidadãos

Enquanto a questão da concorrência ou complementaridade entre os pro-cessos de democracia direta e as instituições refere-se à dimensão institucional,temos igualmente que considerar o fator humano. Nesse contexto são inúmerosos autores que alegam que os cidadãos são incapazes de decidir questões polí-ticas específicas por eles mesmos. Sartori defende que “a democracia diretaafundará imediatamente nas rochas da incompetência cognitiva” (Sartori1987, p. 120). Campbell et al. (1960) e Budge (1996) defendem posições simi-lares. Para Suski (1993), processos de democracia são incontroláveis e impre-visíveis. Em contraste aos autores pessimistas, outros argumentam que aparticipação em processos de democracia direta ajuda o cidadão a tornar-sepoliticamente competente (Smith 2002; Batt 2007, p. 131; Rauschenbach2010; 2012).

Aqueles autores que ao mesmo tempo são céticos sobre os processos dedemocracia direta, mas defendem as instituições representativas, são contradi-tórios: como os cidadãos podem, por um lado, ser competentes nas eleições e,por outro, incompetentes nas consultas populares? Matsusaka (2011, p. 20)argumenta que eleitores correm mais riscos de errar em eleições do que emconsultas populares, porque eleições envolvem sempre um leque abrangentede dimensões, enquanto consultas populares focam em questões mais concre-tas.

Estudos empíricos mostram que os cidadãos aplicam estratégias iguais natomada de decisões, seja em eleições, seja em consultas populares. No fundo, oproblema é o mesmo: conciliar as informações limitadas com os próprios inte-resses. Bowler e Donovan (1998) observam que cidadãos votam de uma ma-neira previsível, levando em conta a ideologia e os próprios interesses. Emsituações nas quais os cidadãos não têm informações suficientes para tomaruma decisão, tendem a votar contra a mudança. Assim, eles têm um comporta-mento bem similar ao dos representantes (Bowler & Donovan 1998, p. 168).No fundo, os cidadãos seguem uma estratégia heurística que se baseia tantonas informações disponíveis como também nas recomendações de pessoas einstituições confiáveis. Desse modo, os cidadãos são capazes de opinar corre-tamente conforme os próprios interesses, sem necessariamente conhecer e en-tender todos os detalhes técnicos de uma proposta. LeDuc (2003), em umaanálise sobre referendos em várias partes do mundo, caracteriza três tipos deformação de opinião. O primeiro refere-se a questões que não envolvem posi-ções ideológicas e partidárias fortes: nesses casos, a formação de opiniões ébastante volátil e o resultado pouco previsível. O segundo tipo trata casos nosquais é possível, durante a campanha, introduzir novos argumentos que literal-mente revertam as posições. O terceiro tipo refere-se a consultas popularessobre temas que já são do ponto de vista ideológico e/ou partidário, claramente

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estruturados e para os quais existem indicadores heurísticos óbvios. Nesse últi-mo caso, é difícil mudar as posições dos cidadãos.

Em vista da importância das estratégias heurísticas, Matsusaka questiona arelevância de pesquisas que avaliam a competência dos cidadãos na base doconhecimento técnico do funcionamento do Estado ou dos nomes dos atual-mente eleitos; em muitos casos, esse tipo de informação não é crucial paraparticipar em consultas populares (Matsusaka 2011, p. 19). Lupia (1994) eLupia e McCubbins (1998) confirmam esse achado. Kahn e Matsusaka (1997)mostram que os eleitores são capazes de identificar corretamente o impactoeconômico de iniciativas populares e votam em função disso. Christin, Hug eSciarini (2002) concluíram, a partir de um estudo sobre referendos suíços entre1981 e 1990, que cidadãos mal-informados têm uma tendência a optar pelonão, para preservar o status quo. Segundo os mesmos autores, o apoio emestratégias heurísticas depende das circunstâncias, um achado confirmado porLeDuc (2003). Schuck e de Vreese (2011), ao analisarem o referendo holandêssobre a Constituição Europeia, mostram que cidadãos que leram tabloides fica-ram com medo da possível aprovação da Constituição e rejeitaram o referendo.

A capacidade dos cidadãos para processar informação é limitada: Lutz(2007) mostra que quanto mais questões estão em pauta, pior os cidadãos estãoinformados sobre cada assunto; esse achado é confirmado por Selb (2008, p.33). Meredith (2009) observa também que eleições que acontecem simultanea-mente com uma consulta popular podem afetar negativamente o grau de infor-mação dos cidadãos.

Anderson e Goodyear-Grant (2010) analisaram a autoavaliação dos cida-dãos canadenses ao medir o apoio dos cidadãos mais bem informados parareferendos em geral. A literatura parte da hipótese de que quanto mais alto onível educacional, menor o apoio aos processos de democracia direta. Enquan-to os autores confirmam essa hipótese, eles acreditam que o motivo não sebaseia na desconfiança na competência dos outros cidadãos, mas, sim, na con-fiança da competência do governo e no medo do desrespeito das minorias emconsultas populares. Porém, os autores insistem que a pesquisa foi feita logoapós alguns referendos complexos que podem ter influenciado de uma maneiraexagerada a autoavaliação dos canadenses.

Os que questionam a competência do cidadão referem-se não somente àpressuposta incapacidade de informar-se e chegar a conclusões corretas, mastambém à inclinação de se deixar manipular por populistas. Esse argumentovai em paralelo com o argumento de que processos de democracia direta po-dem ser facilmente dominados por minorias. O argumento da manipulação édelicado, porque a delimitação entre informação e manipulação não é fácil,tampouco é fácil determinar se o voto de um cidadão realmente correspondecom os seus próprios interesses ou se ele foi induzido pela manipulação.

O perigo da manipulação não pode ser negado facilmente. Em particularnos Estados Unidos, são investidos valores alucinantes em campanhas que fa-vorecem ou combatem referendos e iniciativas populares. As campanhas apro-veitam-se de todos os truques de marketing para garantir o resultado desejado.Altman observa, porém, que a legislação americana trata eleições e consultaspopulares de maneiras bem distintas: enquanto a arrecadação e o uso de di-nheiro em eleições são altamente regulados, esse não é o caso dos processosde democracia direta (Altman 2011, p. 54). Então surge uma pergunta: o po-tencial de manipulação é inerente aos processos de democracia direta ou sim-plesmente fruto de uma lacuna legislativa? Ao contrário dos Estados Unidos, a

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Suíça conhece uma legislação severa a respeito da propaganda política: qual-quer propaganda política no rádio e na televisão é proibida. Essa regra reduzde maneira considerável a pressão financeira sobre as campanhas, já que orádio e a televisão são os veículos de comunicação mais caros e, por não seremmeios escritos, são também os mais emotivos. O poder da televisão é questio-nado por Bowler e Donovan (2002). Em um estudo sobre o estado de Wash-ington, eles chegam à conclusão que campanhas na televisão não têm grandeinfluência na opinião dos cidadãos. No melhor dos casos, elas alertam sobre avotação e motivam a procura de informação em outras fontes.

No contexto do debate da competência do cidadão, surge a questão do votoobrigatório. O argumento clássico em favor do voto obrigatório diz que elegarante que aqueles cidadãos que, sem obrigatoriedade, não votariam tambémsejam representados. Além disso, supõe-se que o voto obrigatório tem um efei-to educacional e incentiva futuramente todos os cidadãos a participar na políti-ca, mesmo sem obrigação. Higley e McAllister (2002) mostram em um estudosobre o referendo constitucional australiano de 1999 que o voto obrigatóriorealmente fez com que cidadãos, que não tinham a intenção, sentissem-se for-çados a votar. Porém, os autores mostram também que, em consequência, acompetência média dos cidadãos ficou reduzida, por que cidadãos que não sesentiam competentes para participar na consulta popular votavam de qualquerforma, simplesmente para evitar uma multa. Pelo menos no caso da Austrália,o voto obrigatório produziu então um resultado ambivalente. No contexto dopresente estudo, não foi encontrada pesquisa que comprove empiricamente osefeitos educacionais do voto obrigatório.

Do ponto de vista normativo, seria desejável evitar a obrigatoriedade dovoto sem arriscar níveis altos de abstenção. Parece que processos de democra-cia podem contribuir para isso: Tolbert e Smith (2005) mostram em uma análi-se das eleições americanas entre 1980 e 2002 que a abstenção ésistematicamente menor em eleições que combinam consultas populares.

Já mencionamos a contradição de atribuir ao cidadão a competência desaber eleger o seu representante e ao mesmo tempo a incompetência de partici-par em processos de democracia direta. Além dessa contradição, surge outraquestão, a incompetência é inalterável ou o cidadão pode superá-la? Em casoafirmativo, de que maneira? Embasados pela psicologia do desenvolvimentocognitivo, podemos argumentar que o cidadão pode, de fato, adquirir as com-petências para participar ativamente nas decisões políticas. Desse ponto devista, os processos de democracia mostram-se, na verdade, ser ferramentas po-derosas de treinamento e aprendizado (Rauschenbach 2010; 2012). Smith(2002), ao analisar dados derivados das eleições do Senado norte-americanode 1992, chega à seguinte conclusão: cidadãos que participam regularmenteem processos de democracia direta têm conhecimentos mais amplos sobre apolítica em comparação com os que ou não participam ou não têm acesso aosmecanismos da democracia direta. Batt (2007) argumenta na mesma direção edestaca a importância da educação cívica, para que os cidadãos realmente sai-bam aproveitar as oportunidades da democracia direta. Além das instituições,da vontade de usá-las e da competência cívica, são necessárias também infor-mações que permitam ao cidadão tomar uma decisão adequada. Boehmke eBowen (2010) descubriram que, nos estados norte-americanos que permitemprocessos de democracia direta, surgem mais associações que defendem inte-resses específicos e mais cidadãos participam nesses grupos. Podemos assumirque o engajamento cívico resulta em competências mais elevadas daquelescidadãos. No contexto do referendo sobre o acordo constitucional europeu na

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Holanda, Neijens e de Vreese (2009) mostram que a informação estruturadaem um questionário é mais informativa ao cidadão que as matérias tradicio-nais.

Em suma, podemos concluir que a visão de que o cidadão é profundamenteincompetente para participar em decisões políticas específicas não pode sersustentada nem teórica nem empiricamente. Por outro lado, seria demasiada-mente idealista argumentar que o cidadão dispõe, por natureza, de todas ascompetências necessárias para participar adequadamente em processos de de-mocracia direta. O cidadão precisa ser educado e treinado para poder exerceros seus direitos democráticos. Ele depende de informações e indicadores heu-rísticos de fontes que não são sistematicamente manipuladas. Isso requer umalegislação que limita excessos nas campanhas.

II.5. A questão do tamanho do eleitorado

Na seção anterior mostramos que a competência dos cidadãos depende deuma série de fatores, como o fornecimento de informações e indicadores heu-rísticos de fontes confiáveis. Há autores que argumentam que a partir de certotamanho de eleitorado, essas dificuldades não podem mais ser sanadas. Porisso, alegam que processos de democracia direta deveriam ser limitados aonível local. Weber (1985, p. 546) e Schumpeter (1962, p. 267) argumentamque processos de democracia direta devem ser aplicados somente em questõessimples e administrativas e em contextos de populações hom*ogêneas. Nemsempre fica claro se esses autores rejeitam consultas populares por causa dadificuldade do envolvimento de grandes números de pessoas em deliberações,por supostos problemas logísticos ou pela suposta incompetência dos cidadãos

O envolvimento pessoal é possível somente em grupos muito pequenos;desse ponto de vista, não faz uma diferença substancial se o eleitorado é de 10000, 100 000 ou de 1 000 000 de cidadãos. O que é muito mais relevante para aqualidade das deliberações é como o sistema das mídias está estruturado ecomo o Estado informa os cidadãos. Problemas de logística – e com o crescen-te uso de meios eletrônicos – de confidencialidade não podem ser negados.Porém, existem soluções tecnológicas que permitem a execução de consultaspopulares de uma maneira confiável. A seguinte tabela lista os maiores eleito-rados que já participaram em consultas populares; nessa categoria, o Brasil écampeão do mundo.

Tabela 1 – Os maiores eleitorados em consultas popularesPaís Eleitorado (mi-

lhões de cida-dãos)

Assunto da consulta popular Tipo de processo de democra-

cia direta aplicado

Ano daconsultapopular

Brasil 122 Referendo sobre a proibição da comercializaçãode armas de fogo e munição

Plebiscito parlamentar 2005

Rússia 106 Nova Constituição Plebiscito presidencial 1993França 41 Constituição da União Europeia Referendo presidencial 2005Espanha 34 Constituição da União Europeia Plebiscito parlamentar 2005Polônia 30 Adesão à União Europeia Plebiscito parlamentar 2003Colômbia 25 15 assuntos diferentes Plebiscito parlamentar 2003Venezuela 16 Reforma constitucional Referendo constitucional obri-

gatório2007

Austrália 16 Proclamação da República Referendo constitucional obri-gatório

1999

FONTE: Rauschenbach, 2011.

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Como já constatamos no debate sobre a concorrência entre instituições re-presentativas e processos de democracia direta, defensores da posição contraconsultas populares com eleitorados grandes arriscam uma inconsequência, jáque, em muitos casos, o mesmo eleitorado elege também diretamente o Presi-dente da República; nesse caso, os desafios na deliberação e logística são osmesmos.

Em suma, podemos concluir que o tamanho do eleitorado pode representardesafios substanciais na execução de consultas populares. Porém, esses desa-fios não são inerentes às consultas populares; eles surgem também em outroscontextos institucionais das sociedades contemporâneas. Felizmente existemmeios técnicos que permitem organizar a logística. A qualidade da deliberaçãodepende muito menos do tamanho do eleitorado e muito mais das característi-cas socioeconômicas da população, da regulamentação das campanhas e decomo as autoridades atuam.

II.6. A questão dos efeitos colaterais dos processos de democracia direta

A função principal de processos de democracia direta é a produção de de-cisões políticas com alta legitimidade. Mas processos tão complexos e impac-tantes como os da democracia direta não se limitam a este efeito. Surge então aquestão sobre os efeitos colaterais dos processos de democracia direta, queevidentemente podem ser de natureza positiva ou negativa. Möckli (1994) for-nece um detalhamento dessa função: no nível macro, ele fala da estabilização,legitimação e inovação. Processos de democracia direta estabilizam o sistemapolítico porque aproximam a periferia ao centro político, já que decisões toma-das pelo cidadão não podem ser tão facilmente invalidadas por decisões parla-mentares. A legitimação deriva do maior número de envolvidos na decisãofinal. Processos de democracia direta podem ser inovadores porque permitemo surgimento de ideias que, em um sistema puramente representativo, não po-deriam ou não seriam apresentadas. No nível intermediário, Möckli mencionaa resolução de conflitos e a criação de aceitação; processos de democraciapodem funcionar como válvula de escape. Com o envolvimento do maior nú-mero de pessoas possível, a aceitação de decisões é mais alta que no caso deaprovações parlamentares. No nível micro, Möckli inclui a socialização, nosentido de que a participação política individual permite um aprendizado e aintegração do indivíduo com e no seu contexto político.

Nos últimos anos, foram avaliados esses e outros efeitos dos processos dedemocracia direta, dos quais os principais serão discutidos abaixo. Trataremos,em primeiro lugar, o efeito sobre a atividade econômica, seguido pelos efeitosno processo político e na eficiência da máquina pública. Depois será abordadaoutra questão: processos de democracia direta fazem com que os cidadãos so-neguem menos impostos?

Feld e Kirchgässner (2001; 2007) argumentam que processos de democra-cia direta têm um impacto favorável à situação macroeconômica de um país,demonstrando que esses instrumentos reduzem as dívidas do Estado e aumen-tam a eficácia das administrações públicas. Blomberg, Hess e Weerapana(2004) chegam a conclusões similares ao analisar a força econômica dos esta-dos dos EUA entre 1969-1986: estados que permitiam iniciativas popularescresceram mais rapidamente e mostraram rendas per capita mais altas que osdemais. Altman (2011, p. 86), em uma análise mundial, não chega a uma con-clusão clara; segundo ele, metodologicamente (ainda) não é possível compro-

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var se processos de democracia direta favorecem o crescimento econômico ounão; por enquanto, não existem dados suficientes que permitam um controleadequado de outros fatores, que podem igualmente influenciar o desenvolvi-mento econômico.

Já mostramos, ao debater a concorrência entre instituições representativas eprocessos de democracia, que os últimos alteram fundamentalmente o proces-so político. Em seguida, será abordada a questão sobre em que medida proces-sos de democracia direta afetam a eficiência política. Nesse contexto, surgeregularmente a crítica que eles prolongam e freiam a tomada de decisões. Alt-man (idem, p. 50) mostra que isso ocorre de fato, mas pergunta, ao mesmotempo, até que ponto isso representa um problema? Afinal, a mesma críticapode ser feita às segundas câmaras de parlamentos, que igualmente complicamo processo legislativo. A vantagem desses “freios” é que eles produzem deci-sões mais legítimas; o preço é uma certa lentidão. Porém, no longo prazo, essalentidão pode ser nivelada, já que decisões mais legítimas precisam ser muda-das menos rapidamente.

Voltando aos argumentos apresentados a respeito da concorrência entreinstituições representativas e processos de democracia direta, pode ser mencio-nado que, nem sempre, os representantes respeitam os interesses dos cidadãose, por isso, promovem políticas não desejadas. Processos de democracia diretafacilitam a correção desses desvios e permitem uma eficiência política maisalta (Blume, Müller & Voigt 2009, p. 435). A correção pode ser feita maisfacilmente em processos de democracia direta, porque neles questões específi-cas são abordadas, em vez de programas gerais, apresentados pelos candidatosem eleições. A separação das questões evita também acordos que são meroscompromissos, sem correspondência com a solução ideal (idem, p. 438).

O argumento da informação assimétrica contraria a afirmação de que osrepresentados sabem melhor que os representantes quais são os seus interesses.Em questões altamente técnicas, esse argumento certamente é válido. Mas, emmuitos casos, processos de democracia direta não visam questões técnicas,mas, sim, questões de valores e preferências individuais. Nesses casos, o cida-dão não tem nenhuma desvantagem informacional e sabe tomar a decisão(Matsusaka 2005, p. 193).

Coloca-se então a pergunta, quais são os efeitos dos processos de democra-cia direta sobre a máquina pública? Em um estudo pioneiro, Pommerehne(1983) mostrou que os custos para a coleta do lixo eram menores naquelesmunicípios suíços que conheciam processos de democracia direta. Desde en-tão, várias pesquisas abordaram esse tema e chegaram quase sempre à mesmaconclusão: a existência e o uso de processos de democracia direta têm efeitospositivos na máquina pública. Matsusaka (2004) analisou os efeitos do direitoà iniciativa popular sob a política fiscal e observou que estados que permitemprocessos de democracia direta arrecadam menos impostos e têm também gas-tos menores que estados com apenas instituições representativas. Feld e Kirch-gässner (2001) fazem para a Suíça a mesma observação: em cantões ondeexiste o referendo obrigatório, a arrecadação é 7% e os gastos 11% menor queo dos cantões sem referendo obrigatório. Freitag e Vatter (2006) replicam esseachado. Wagschal (2011) confirma esse resultado em uma comparação entreSuíça, Estados Unidos, Alemanha e Austrália. Müller (2003) mostra que acompetição fiscal é menor nos cantões suíços que adotam processos de demo-cracia direta. O autor interpreta esse resultado com a hipótese de que cidadãosque podem intervir com processos de democracia direta nos gastos públicos

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aceitam tais gastos mais facilmente e, por isso, têm uma menor inclinação paradeixar este cantão para morar em outro com uma carga tributária menor.

Dalton (2008), ao comparar os Estados dos EUA, chega a conclusões me-nos favoráveis. Em sua análise, afirma que iniciativas populares parecem redu-zir ligeiramente a efetividade governamental ou, pelo menos, não têm umefeito substancialmente positivo sobre ela. Porém, admite que a efetividadenão deveria ser o único critério de análise, afinal, a democracia em si não temcomo primeiro objetivo ser efetiva. Dyck e Lascher (2009) confirmam estasobservações céticas, também analisando o caso dos EUA. Expandindo a análi-se ao nível mundial, produz resultados menos semelhantes: Blume, Müller eVoigt (2009) estudaram todos os países do mundo (exceto os da África) e con-firmam que países com o referendo obrigatório têm, em geral, menos gastos,em particular menos gastos na área de previdência e saúde. Porém, acreditamque países com iniciativas populares tendem a ter mais gastos e a ser maiscorruptos. Nos resultados por eles apresentados, dívidas públicas e efetividadegovernamental não são influenciadas por processos de democracia direta. Emgeral, os autores observaram que os efeitos dos processos de democracia sãomais fortes quando são aplicados mais frequentemente e em países menos de-mocráticos. Porém, segundo os autores, conclusões e comparações em escalamundial representam desafios metodológicos importantes, principalmente por-que as instituições dos processos de democracia direta variam muito entre ospaíses.

Há vários estudos que mostram que, em regimes com processos de demo-cracia direta, os cidadãos sonegam menos impostos. Qual é o argumento teóri-co para esse comportamento? Processos de democracia direta permitem aoscidadãos influenciar os gastos públicos. Dessa forma, eles sabem melhorcomo os recursos estão sendo utilizados e podem direcionar os gastos confor-me as suas preferências. Isso aumenta a probabilidade de eles entenderem paraque serve o orçamento estatal e sentem-se mais à vontade para contribuir.Pommerehne e Weck-Hannemann (1996) foram os primeiros que mostraramque cantões suíços com processos de democracia direta são menos confronta-dos com a sonegação de impostos. Feld e Frey (2006) replicaram este achado.Torgler (2005) confirmou a mesma observação no nível municipal, também naSuíça. Blume, Müller e Voigt (2009), em uma análise mundial, confirmam queo uso do referendo diminui a evasão de impostos, porém, eles não observaramnenhum impacto significativo resultando do uso das iniciativas populares.

Em paralelo com os estudos sobre a sonegação de impostos, há um outroviés de pesquisa que aborda a relação entre processos de democracia direta e aformação de capital social. Nesse contexto, Freitag (2006) mostra, em umacomparação entre os cantões suíços, que de fato a disponibilidade de processosde democracia direta favorece a formação de capital social. Ainda um passomais longe vão Frey e Stutzer (2000) que mostram, a partir de entrevistas comcidadãos suíços, que eles se consideram mais felizes na medida em que o can-tão onde moram oferece processos de democracia direta.

Em suma, podemos concluir que os efeitos dos processos de democraciadireta vão bem além da produção de decisões altamente legítimas. Emboraexistam numerosas pesquisas sobre os impactos positivos de processos de de-mocracia direta na atividade econômica, na máquina pública e na sonegação deimpostos, ainda faltam estudos que esclareçam devidamente a causalidade ecomprovam estes estudos em análises comparativas. Ao mesmo tempo, é im-portante lembrar, como Gurza-Lavalle (2011, p. 42) afirma a respeito da parti-

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cipação em geral, que todas as coisas boas nunca vêm juntas. Sempre existemtrade-offs com ganhos e perdas ao mesmo tempo.

II.7. A questão dos custos dos processos de democracia direta

Nossa discussão sobre os efeitos colaterais dos processos de democraciamostrou que além de os impactos desses mecanismos serem complexos, nemsempre são favoráveis para o desempenho de um sistema político. Nessa linha,exploramos, na presente seção, a questão dos custos dos processos de demo-cracia direta. Será que os custos de consultas populares são tão altos que elespodem ser justificados no máximo em casos excepcionais, mas não como me-canismo regular? Esse argumento é levantado principalmente em debates po-pulares; ele raramente pode ser encontrado na literatura científica. Na revisãobibliográfica do presente trabalho, não foi possível encontrar um estudo queaborde essa questão substancialmente. Seria ingênuo dizer que os custos dosprocessos de democracia direta não importam. Do ponto de vista conceitual,podemos distinguir dois tipos de custos: diretos e indiretos.

Custos diretos: Na execução de consultas populares, é preciso imprimircédulas dos eleitores, comprar máquinas de votação, pagar salários dos oficiaisenvolvidos etc. Infelizmente, não existe nenhum estudo comparativo referentea esse tema. Considerando o fato de que os países adotam metodologias bemdiversas, podemos esperar grandes diferenças nos gastos em consultas popula-res.

Custos indiretos: Constatamos que a inclusão de processos de democraciadireta deixam um sistema político mais complexo. Decisões políticas podemdemorar mais tempo. Por isso, há o argumento que consultas populares provo-cam custos indiretos. No contexto deste trabalho, nenhum estudo sobre essetema foi encontrado. As dificuldades metodológicas para quantificar esses cus-tos devem ser consideráveis.

Como já mencionamos no contexto dos efeitos colaterais dos processos dedemocracia direta, é preciso considerar tanto as perdas como também os ga-nhos. Nesse sentido, seria igualmente problemático focar somente os custos.Porém, sem conhecer os custos reais dos processos de democracia direta, é,por enquanto, impossível tirar conclusões substanciais.

III. Conclusões

A partir da pergunta de se é uma boa ideia consultar a população, não so-mente em eleições, mas também a respeito de questões específicas, que podemser respondidas com um simples “sim” ou “não”, fizemos uma revisão da lite-ratura internacional. Nossa análise em torno de sete questões mostrou que ainiciativa popular, o plebiscito e o referendo podem ser complementos impor-tantes para as instituições democráticas. Mas os benefícios desses mecanismosdependem tanto da sua regulamentação como também do contexto institucio-nal e socioeconômico. Mais especificamente, constatamos que: (i) o medo dosminimalistas e as esperanças dos maximalistas democráticos são ambos exage-rados. Os processos de democracia direta não são nem a praga de todos osmales tampouco a cura para eles. A ambiguidade desses mecanismos mostra-se também no comportamento dos cidadãos: por um lado, eles tendem a reivin-dicar direitos à participação, mas uma vez à disposição, nem sempre aprovei-tam deles; (ii) o perigo da tirania da maioria é teoricamente evidente.

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Empiricamente, encontram-se exemplos que confirmam essa hipótese. Porém,análises mais abrangentes não identificam maiorias opressivas e estáveis. Damesma forma, questiona, empiricamente, a hipótese da tirania da minoria. Nãoexiste nenhum exemplo empírico no qual uma minoria conseguiu manipular aagenda assim que a posição dela prevaleceu. Para o segundo argumento a fa-vor da tirania da minoria, no qual ela consegue manipular a maioria por meiode recursos desproporcionais, é possível identificar exemplos empíricos; mas éigualmente possível identificar outros casos nos quais não foi possível influen-ciar substancialmente o resultado com campanhas caras. São precisos maisesforços de pesquisa para desvendar a importância dos recursos financeirosnas campanhas de processos de democracia direta; (iii) a introdução de proces-sos de democracia direta pode tornar um sistema democrático representativomais legítimo. Porém, a legitimidade adicional tem um preço: o processo polí-tico torna-se mais complexo. Somente quando os representantes enfrentamessa complexidade abertamente, podem-se esperar resultados positivos; casocontrário, o jogo político torna-se mais confuso e, com isso, menos democráti-co; (iv) a visão de que o cidadão é profundamente incompetente para participarde decisões políticas específicas não pode ser sustentada nem teórica nem em-piricamente. Por outro lado, seria demasiadamente idealista argumentar que ocidadão dispõe, por natureza, de todas as competências necessárias para parti-cipar adequadamente em processos de democracia direta. O cidadão precisaser educado e treinado para poder exercer seus direitos democráticos. Ele de-pende de informações e indicadores heurísticos de fontes que não são sistema-ticamente manipuladas. Isso requer uma legislação que limita excessos nascampanhas. A existência de processos de democracia direta pode ser um moti-vador crucial para que o cidadão interesse-se, informe-se e participe; (v) otamanho do eleitorado pode representar desafios substanciais na execução deconsultas populares. Porém, esses desafios não são inerentes às consultas po-pulares; eles surgem também em outros contextos institucionais de sociedadescontemporâneas. Felizmente, existem cada vez mais meios técnicos que tor-nam a logística de consultas populares possível e confiável. A qualidade dadeliberação depende muito menos do tamanho do eleitorado e muito mais dascaracterísticas socioeconômicas da população, da regulamentação das campa-nhas e de como as autoridades atuam em consultas populares; (vi) os efeitosdos processos de democracia direta vão bem além da produção de decisõeslegítimas. Embora existam numerosas pesquisas sobre os impactos positivosde processos de democracia direta na atividade econômica, na máquina públicae na sonegação de impostos, ainda faltam estudos que esclareçam devidamentea causalidade e que façam análises comparativas; (vii) apesar do fato de queem debates populares o argumento dos custos altos dos processos de democra-cia direta é levantado frequentemente, não existe nenhum estudo científico aesse respeito que confirme ou reprove a hipótese. Pesquisas futuras, de prefe-rência comparativas, deverão esclarecer essa questão.

Considerando esses resultados, podemos tirar duas conclusões: em primei-ro lugar, processos de democracia direta podem complementar as instituiçõesrepresentativas de uma maneira benéfica. Porém, na introdução e aplicação,devem ser consideradas questões da regulamentação em si (quem pode iniciaro processo? Quais temas podem ser abordados? Quem toma a decisão final?Quais são os prazos? etc.), do relacionamento com outras instituições (parla-mentos, tribunais, administração, outras entidades federativas, direito interna-cional, etc.) e do contexto socioeconômico (escolaridade da população, acessoàs mídias, etc.). Sem uma ponderação cautelosa de todos esses elementos, aintrodução e aplicação de processos de democracia direta muito provavel-

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mente não contribuiria para a melhoria da democracia de uma entidade políti-ca. Em segundo lugar, ficou evidente, ao longo deste trabalho, que ainda exis-tem várias e importantes lacunas na abordagem científica dos processos dedemocracia direta. Futuros esforços de pesquisa são precisos. O número cres-cente de consultas populares fornecerá a base empírica para essas investiga-ções.

Rolf Rauschenbach ([emailprotected]) é doutor em Ciência Política pela Universität St. Gallen, Suíça, e pesquisadorafiliado do Núcleo de Pesquisa de Política Pública NUPPs da Universidade de São Paulo

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ABSTRACT

There is an ongoing debate on whether processes of direct democracy, such as the popular initiative, plebiscite and referendum are

helpful in the political decision making process. On the one hand, there are authors arguing that these institutions slow the political

game down, turn it more expensive, confusing and illegitimate; others defend the contrary position, arguing these mechanisms are

fundamental to the citizen and the quality of democracy. The present study examines the following seven issues of this matter, based

on theoretical consideration and empirical research: 1. Democratic minimalism and maximalism; 2. Competition between majority

and minority; 3. Competition between representative institutions and processes of direct democracy. 4. Competence of citizens; 5.

Side effects of processes of direct democracy; 6. Size of electorate; 7. Costs of processes of direct democracy. The analysis is based

on a review of national and international literature. The study shows that processes of direct democracy can be complementary to

institutions of representative democracy. The well functioning of popular initiatives, plebiscites and referendums does not only de-

pend on their regulation, but also on the performance of the other political institutions as well as the socio-economical situation of a

country. The study allows to deepen the debate on processes of direct democracy in Brazil.

KEYWORDS: Democratic institutions; processes of direct democracy; popular initiative; plebiscite;referendum; representation

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